terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Quinta-feira, Abril 24, 2003

El Empecinao 

Aqui hubo um tozudo hombre buscando,
En esta altivez de los cerros sanjuaninos,
El fabuloso tesoro que cuentan
Era para el rescate del inca Atahualpa: siete
Cogotes de guanaco pupudos de oro.

Muchos años vivo a buscar tal riqueza
Y se le puso la barba blanca de no encontrarla;
Pero firme en su idea
No cejaba de llevarla entre ceja e ceja.

Nos hicimos amigos y en mis adentros
Lo bauticé El Empecinao, justamente
Porque cade vez me lo topaba en el cerro
Me hablaba de su sueño y sonreía feliz.

Pero el verano este ya no vino
Y el anterior tampoco.
Sospecho que murió directamente
O algo peor todavía, que se desempecinó,
Y al perder la alegría de buscar el tesoro
Quedó muerto en vida.

Jorge Leonidas Escudero 





Quinta-feira, Abril 17, 2003

Pergunta: Progapanda é arte?
Resposta: Não, mas conheço anúncios melhores que muitos livros, e comerciais melhores que muitos filmes.

Antonio Montero
Diretor de Criação Contrapunto/BBDO - Madrid
07/03/2003 - 17ª Semana Internacional de Criação Publicitária


Quarta-feira, Abril 09, 2003

Slogans do Coração

a maré cheia acompanha sempre
a primeira vogal
diferem apenas
o jogo e o blefe
as regras e o plural

serão os cortes mais profundos
entre aqueles que temem
os cortes que se afundam

Pode uma promoção de preços promover minha carreira?

levou na mudança
apenas o que detestava
os discos que ela ouvia
as roupas que não usava

mesmo se eu resolver
todos os meus problemas
eu vou lá fora e consigo muito mais!

sou profissional de propaganda
leio poesia
nos versos das embalagens

então, para ela
eu era a chuva
o arco-íris veio depois

Crime Edmundo
Propaganda oficial não tem defesa, tem álibi.

Sabe porque não se encontra o mapa do lugar-comum?
Por que primeiro é preciso sair dele.

e se alguma coisa muda
nessa vida que eu mesmo inventei
busca-me o carteiro noutra outra rua
lembrando das coisas que esquecerei?

com suas juras extorsivas
dividia até parabéns
em cartões de aniversário

Sessão da Tarde

"O oásis é o lugar onde várias espécies abandonam seu comportamento territorial".

"Mulher só fala alto comigo em boate".

Nada se constrói sobre a pedra.
Tudo sobre areia.
Mas é nosso dever construir
Como se fosse pedra a areia.

Jorge Luís Borges
Fragmentos de um Evangelho Apócrifo

Eu incomodo-me a mim próprio
é pequeno o meu corpo para mim.
Sou pior do que eu próprio
ou eu próprio não caibo em mim?

Almada Negreiros

De los dos instrumentos de dibujo, la goma y el lápis, no sé cual és al más importante.
A. Giacometti

Quarta-feira, Abril 02, 2003


Hecho en Bs. As. 
O assunto é sério, pelo menos na Argentina. São os cafés, verdadeiras instituições portenhas, que estão sendo reformados com financiamento oficial. Também conhecidos por "confiterías", são em número de 38 os "bares notables" espalhados pela capital. Como a "confitería" La Ideal (Suipacha, 384), inaugurada em 1912, que receberá da Secretaria de Patrimônio Cultural de Buenos Aires 59 mil pesos (U$ 19 mil*) para reformar todo o imóvel: o piso de mármore, seus bronzes e vitrais. Testemunhas de tempos muito melhores, nos salões desses bares reunia-se um público aristocrático e boêmio, para tomar café e apreciar seus acepipes ao desayuno, tarde afora e madrugada adentro. Estas paredes, levantadas a partir da década de 20 do século passado (ou ainda antes: o 36 Billares é de 1894, e o Café Tortoni, de 1858!), viram o surgimento do tango, do cinema e de movimentos literários que mudaram a paisagem cultural argentina para sempre. Eram pontos de encontro eminentemente europeus, e para receber seus habitués muitos se armaram de atrações como bilhares, dardos, cartas e dominó. O café portenho é exatamente como o café em Paris, ou os pubs da Grã-Bretanha: um lugar hospitaleiro, aquecido e confortável, que permite ver o movimento das ruas; é o lar fora do lar de qualquer argentino. Com o passar do tempo, as tertúlias e o romance cederam lugar para a política e o futebol. Os hermanos já não são tão apegados às tradições, que afinal os levaram à bancarrota nos anos Menem. No La Ideal, a saída para a falência foi o aluguel do espaço para raves e festas diversas nos anos 90. Mas, depois de piorar, as coisas estão melhorando. Com o turismo em alta, os cafés atraem cada vez mais atenção - e dólares. Com a programação de espetáculos musicais e as reformas em curso, renasce um mito. Cruzar as portas de madeira lustrada desses bares é como empreender uma viagem no tempo. Lá estão as mesmas mesas, as cadeiras forjadas em ferro, as paredes com quadros dos ilustres artistas freqüentadores; sem esquecer dos mesmos, atrás de grossas cortinas de fumaça de cigarro, aprumados em paletós escuros e, pode-se ver hoje, engalanados até em mini-saias - uma moda muito salutar entre as belas argentinas. O Programa de Recuperação dos Bares Notáveis, que em 2003 distribuirá no total 120 mil pesos, ainda irá agraciar outros destes templos que estão em pior estado, como o El Progreso (Montes de Oca, 1700), o Oviedo (Largo de la Torre, 2407), El Almacén (Matheu, 812), La Embajada (perto da av. 9 de julho) e o Café de García (Sanabria, 3302). Dois já estão com as reformas concluídas, o Las Violetas e o El Querandí. E todos são tema do livro "Cafés de Buenos Aires", também relançado como parte do programa de restauração. Em suas páginas estão os cafés mais antigos, os do Centro da cidade, os que se localizam em hotéis, os "cafés lecherías" e os bilhares. Infelizmente, esta revitalização não chegou em tempo para dois dos cafés presentes na edição, que fecharam suas portas antes que o livro fosse lançado (Clark's e Dante). Para além destes históricos salões, existem em Buenos Aires cerca de 11.000 bares e cafés. Ante à concorrência, muitos passaram a incluir comida em seus cardápios - parece incrível, mas na maioria destes cafés só é possível tomar café, e no máximo comer uma "tosta mista" (um misto quente que bem dá para duas pessoas)! Os cafés históricos estão no Centro e pelos bairros mais antigos, como La Boca, Monserrat e San Nicolas. Os mais novos, porém não menos animados, já que atraem a galera mais jovem, estão em Palermo Viejo - uma Vila Madalena do Rio da Prata, com seus bares cheios de gente bonita e lojas de design de roupas e móveis entre suas tortuosas calles. Atenção peruas de plantão: nenhum destes cafés está em Puerto Madero. Uma boa dica é começar o tour pelo Gran Café Tortoni (avenida de Mayo, 825), o mais famoso e o mais querido. Gardel dava altas canjas na área - no andar de cima do edifício funciona a Academia Nacional de Tango. O salão do Tortoni é grande, e vai até a rua de trás (Hipolito Yrigoyen), onde se encontram as 3 mesas de bilhar. Na parte da frente, salão para fumantes e não-fumantes, pé direito alto, balcão, chope, cerveja, petiscos para começar, pratos para forrar e o serviço moroso, mas cheio de manha, dos camareros. Pode chamar pelo nome: o único que é mulato também é brasileiro, de Florianópolis - na Argentina há mais de 20 anos - que atende pelo nome de Sérgio. Vai, Serginho! PS: No La Ideal, peça para comer um El Porteñito - mas desta vez só para você. Ouça a 92,7 FM todo o tempo, "la mezcla perfecta entre el tango y Buenos Aires".

* Clarín, 03/03/03
Buenos Aires, março de 2003

Sessão da Tarde

"The motherfucker is so coll that when he goes to bed, sheeps count him".

"Sabe o que disse Daniel Webster, convidado a ser vice-presidente?
- Não quero ser enterrado antes de morrer".

"Missões a Marte são em geral lançadas em intervalos de 2 anos, coincidindo o momento de maior aproximação com a Terra".

Gospel

A cena era por demais dantesca para julgamentos. Era ver para crer, e não se podia crer. Passei a ouvir, olhando a nave vazia. O padre, ajoelhado sobre Echeverría, que sujava tudo de sangue grosso no chão do altar, e Zenon de pé com a pistola engatilhada. Z gritava com o padre:
- Eu mandei rezar pelo Eche, e você tá pedindo pela cura de todos os moribundos dessa porra de planeta?!
- Eu estou rezando por ele!
- Mas pede que todo mundo fique bom. Eu não quero que todo mundo fique bom. Na verdade, depois que eu sair daqui, ninguém vai ficar bom nunca mais!
- Ao rezar por todos, junto minha prece à milhões de outras preces. Todas estas vozes, juntas, conseguem chegar a Deus. Divididas, elas se perderiam!
Agora era o fim. Esperei até sentir o cheiro de pólvora. Parece que houve um casamento aqui. Flores por todos os lugares.
- Ave Maria! Arrume outro padre, mas arrume um católico carismático. Pelo menos a gente se distrai com a cantoria. Detesto quem reza baixinho, parece que não tem fé! 

Sexta-feira, Março 07, 2003

humores bonaerenses

o rio que cruza esta cidade não tem pontes para atravessar.
a travessia se faz de barco, em cada barco um remador e até 6 passageiros.
o preço que se paga para atravessar é o mesmo, mas pode variar.
como variam as marés, que seguem os humores da lua.
com o remador é a mesma coisa.
se o vento é conforme, se as ondas se fazem mansas, na cama e na mesa de comer,
o preço é um - assim mesmo: um.
mas se o vento vem do sul, tíbio, frio de cortar o mar sem fio, tudo torto, na cama e na mesa de comer,
o preço é outro, assim mesmo.
outro que não um, porque não pode ser, porque não foi pra ser.
e às vezes, mas muito raramente, nem a travessia se faz.
o remador, triste e magano, engruvinhado por dentro e por fora, vai pro outro lado.
não atravessa, contorna.
ou pára na metade, em outra praia.
azar daqueles até 6 de pegar o remador assim,
seguindo os humores da lua,
que afinal, não é sua,
e some quando o minuano vem.

Segunda-feira, Março 24, 2003

No silêncio da noite, absorto no trabalho, primeiro não entendeu que barulho era aquele, nem de onde vinha, até ele se repetir, um ruídozinho agudo, trec, tac, alguma coisa assim, até se tocar da presença amarelada de uma pequena dose de uísque ao seu lado, onde agonizavam duas pedrinhas de gelo, que no seu estertor, estalavam, chamando para mais um trago, pedindo que se fizesse um sentido à sua vida de pedra, nem que fosse para aplacar uma dor, conduzir um pensamento ao teclado ou então provocar aquele maldito telefonema. Ainda bem que não tinha mais o seu número. Às vezes, alguns tratamentos manifestam seus benefícios muito tempo depois. Satisfeito, pôs-se a repor sua dose, após uma golada onde pequenas lascas do gelo ainda foram mastigadas. Raiva, não ter mais o seu número. Muita raiva mesmo.

Meses depois, morando dois andares abaixo, descobri um novo ponto de vista para aquela história. Era o piano no stéreo que impulsionava as teclas, ou era uma auto-sessão de parapsicografia, mas eu estava escrevendo bem, até que me ocorresse o verdadeiro motivo, além do bom som que rolava alto, daquelas pautas virem como soluços: escrevia em agosto.

Quilômetros depois, na Costanera Sur, reparei no vento, que à minha esquerda caprichava nas ondas que formava, no delta do Mar del Plata. Estamos quase em março, mas há muito que o clima não se relaciona com o calendário. As ondas altas e o azul profundo, confundindo o céu e o leito do rio, só me fazem querer estar com você. O que é difícil de acontecer, tanto ou mais quanto dizer, ainda nesses diferentes teclados que encontro no caminho, onde os acentos não se comportam, e nem as caixas, altas e baixas, exatamente como meu pensamento, que ainda articula te ter, desarrumado e tentando organizar os sentidos.

Mega Store:
Eu quero estar dentro do seu pensamento.
E ainda em outros departamentos.

Oriente médio:
Vai ser bom quando nos reencontramos
Eu, tigre
Tu, Eufrates

minha querida se comporta esquiva,
diria à deriva.
no corner do ringue, observo sua luta,
devo atingir-lhe as costelas ou simplesmente a vida?

Mulher, que preciosa contribuição!
Fizeste-me retornar às letras,
ao álcool e à perdição!
Moro em um cartão postal, tenho selos ao redor dos olhos. Vejo um pedaço do corredor e da porta de sair, agora que moro espetado em um quadro de feltro. Carimbos são minha única mácula. Há uma nova mancha, de xícara de café, mas na verdade acho que isso não conta. Eu já cheguei. E trouxe boas notícias, ou não estaria espetado no quadro de feltro azul. Penso, espetado: será a procura parte do processo de cura?

O som da tv estava um pouco baixo, mas seria o cara que morreu no último dia de guerra uma vítima do armistício?
O mesmo cara da Escelsa, que via Jesus Cristo nos quadros de luz, percorrendo o caminho dos semicondutores.

Um pensamento que viaja, ou vai de primeira classe ou nem merece janelinha. 




quarta-feira, 3 de novembro de 2010

marmitexto - arquivos

Quinta-feira, Fevereiro 20, 2003
Portugal - impressões viajores
Nunca me imaginei aqui, em Portugal, mas essas coisas de imaginação nos levam a qualquer lugar, menos para a frente de um computador. Para nós, brasileiros, Portugal está mais longe do que deveria, mais para quem não é do Rio de Janeiro, onde ainda moram muitos patrícios. Bem, eu sou carioca, mas isso também não me trouxe aqui antes. Umas poucas impressões e é tudo, Edson. Afinal, aqui não me parece tão diferente de lá, quando não mais pertenço a lugar algum (tenho dois fogões em duas cidades diferentes e já não me lembro qual possui acendedor automático e qual me aporrinha à procura de fósforos). O estranhamento óbvio é com a língua, diferente em muitos graus, além do que esperava. Parecem estar todos gripados, e quando não entendo alguma coisa (ou quase sempre), dá vontade de lhes estender um lenço. A toalhinha ao lado do bidê e os chuveiros de quem parece não gostar de tomar banho. O metrô e a ausência de acentos circunflexos. A lógica obtusa dos taxistas e demais prestadores de serviços: "Sabes chegar a tal lugar?", "Sei, sim senhor". E lá parados ficamos, até lhe dizer para me levar até o maldito sítio. Dá vontade de lhe dar meus parabéns pela sapiência e descer do carro - que cor horrível essa a dos táxis! O mau-humor parece parte integrante do sistema, e quando estão a rir, com certeza estão a rirem-se de alguém. Acaso esta cidade é uma imensa biblioteca? Antes fosse, pois em média o português lê apenas um livro por ano. Me assusta pensar nos títulos, mas não tanto quando sei que Paulo Coelho é campeão de vendas também deste lado do Atlântico. Aqui não há loiras. Ou falta a tinta, vocação, ou o mundo não suportaria piadas de loiras portuguesas. Nos bares não há música, e quase não há música em lugar algum. Não querem se divertir enquanto trabalham, ou não conseguem. Aqui também não fabricam mulheres gostosas, daquelas que entortam pescoços a flanarem pelas ruas. E ainda dizem que são difíceis, as raparigas! A televisão merece esse parágrafo, que também será breve. Quando voltar, jamais reclamarei da programação dos nossos canais. O que é esse Masterplan, minha Nossa Senhora da Penha, valha-me meu Santo Sílvio?! E por cá revogaram a happy hour? Quando o pessoal do escritório se encontra fora do escritório? Só em volta do peru, em dezembro? Coisas boas daqui, deixa-me ver - ah, o bacalhau, a propaganda, o café e o Jardel. 


Portugal Real
Tem uma história verídica muito engraçada. Aqui, realmente, a piada acontece ao vivo. E olha que está gravado pelo sistema de segurança. Foi assim: à noite, um computador ficou ligado na agência, e daí quebrou a ventoinha (ou o que o valha), e o danado esquentou, fez fumaça, o que acionou o alarme, lá na mesa do vigia. O que o cara fez? Desligou o alarme. E daí o alarme soava de novo, e o cara desligava, já puto. Ficou 18 minutos assim, o alarme ligando e o gajo desligando. Dizem que dá pra ver no vídeo o cara irado desligando o alarme, e a fumaça já por cima da cabeça dele! Aí o gajo viu que era sério, e o que ele fez? Ligou para o único número que era de emergência, na cabeça dele, o do guincho de carros (que era o número que ele ligava sempre, para retirar os carros da frente do prédio)! Os caras do guincho não entenderam nada, mas viram que, de qualquer modo, era uma emergência, e ligaram para a polícia. Daí a polícia veio, constatou que era incêndio, e só então chamaram os bombeiros!

Tem outra: aqui os filmes têm intervalo. Para o pessoal reabastecer a pipoca, ir ao banheiro, sei lá (vi um filme assim em SP, é uma merda). Daí os caras aqui estavam no cinema, acenderam-se as luzes, e na tela se lia, primeiro: Intervalo. Depois: Este filme não tem intervalo. Em seguida: Fim do intervalo! É mole?

Confusões da língua: aqui bobó é boquete. E a brasileira, muito a fim de fazer amigos, anunciou: Olha, gente, para festejar a minha casa nova, vou fazer bobó para todo mundo! 



Demonizado
Diz o cara que foi fazer um pacto com o diabo, mas o cara não valia nada, mesmo, nem lá no fundo, que no caso dele era o ralo entupido, o cramulhão não aceitou, e o cara fechou um acordo com uns demônios menores. Não foi nem a alma, o cara vendeu os dentes! E, é claro, como nesses casos escusos que cheiram a enxofre, os termos não incluíram argentaria, e até nada de valor. O pobre homem estava tão bêbado que, em troca de toda sua dentadura, recebeu o inapelável poder de fazer as pessoas tropeçarem.



Quarta-feira, Fevereiro 19, 2003






Terça-feira, Fevereiro 18, 2003
SILVANA

Eu poderia ser seu amante
Para escolher as roupas de quando estiveres nua
Mandar-te flores no meio da tarde
E mil beijos trufados em forma de lua

E à noite morder-te a nuca em uivos rachados
Promover em si novos arrepios
Reconhecendo-te de olhos fechados
Seguindo a trilha desse seu cio

Eu poderia ser seu amante
Para marcarmos as alcovas com o nosso cheiro;
Suado, trazer-te ao peito,
Sem que te lembres por um instante,
Quem és e o que terás feito,
Toda a vida para trás, bem antes



SLOGANS DO CORAÇÃO

Outro dia
O cara que escreve volantes
Se perdeu no tráfego

A previsão da cartomante veio em uma mala-direta
Vou chegar ao final da carreira como um Don Juan barato
Freqüentando mercados mas ainda conquistando clientes

SESSÃO DA TARDE - TV é cultura

"- Você está deprimida?
- Eu queria estar, mas só estou com dor-de-cabeça."

"Vamos resolver como duas pessoas civilizadas. Com armas automáticas."

"- Chimpanzés não costumam atacar fêmeas com as quais mantiveram relações sexuais.
- Você está assistindo muita televisão." 



Segunda-feira, Fevereiro 17, 2003
SLOGANS DO CORAÇÃO
 

Hola Gloria,
Estuve analizando la campaña y me parece muy buena.
Me contó don Rodolfo Fernández que este próximo viernes se reunirán nuevamente para presentar algunos cambios.
Te escribo para que considerés dentro de estos lo siguiente:
En el anuncio de TV versión "Sugerencias del público" me parece poco apetitoso mostrar al público el pollo crudo y como se cocina, pienso que lo podríamos sustituir por escenas donde se sugiera que se está cocinando algo pero no se muestre que es, hasta que el producto esté terminado y que el cocinero siempre aparezca siguiendo las indicaciones de la receta del público.
En el mayoría de los anuncios, ya sea de radio, TV o prensa aparecen frases com características negativas que sugieren que nuestro pollo tradicional las tienen, éstas deben ser sustituidas por atributos positivos de nuestro nuevo sabor sin que parezca que se hace referencias negativas de nuestro pollo tradicional.

Por ejemplo, no poner:
- Menos picante
- Menos condimento
- Sin mucho condimento
- Que no pique mucho
- Sin mucha grasa
- Sin grasa

Creo que podemos sustituirlas por:
- Condimentado ligeritamente
- Un delicioso saborcito
- Un saborcito suave
- Seco
- Sequito
- Crujiente
- Tostadito

U otros calificativos que ustedes estimen convenientes siempre y cuando no descalifique al pollo tradicional.
Cualquier duda, por favor escribirme.
Gracias,
Paulo Eduardo



Quarta-feira, Fevereiro 12, 2003


Não se entra no País das Maravilhas,
pois ele fica do lado de fora,
não do lado de dentro.
Se há saídas
que dão nele, estão certamente à orla
iridiscente do meu pensamento,
jamais no centro vago do meu eu.

E se me entrego às imagens do espelho
ou da água, tendo no fundo o céu,
não pensem que me apaixonei por mim.
Não: bom é ver-se no espaço diáfano
do mundo, coisa entre as coisas que há
no lume do espelho, fora de si:
peixe entre peixes, pássaro entre pássaros,
um dia passo inteiro para lá.

Antônio Cícero



SLOGANS DO CORAÇÃO

Meu pensamento voou
Uma sacola de supermercado a mais
Nos varais

SESSÃO DA TARDE

"Mulheres são como vagas de estacionamento.
As melhores estão ocupadas e as disponíveis são para deficientes físicos.



Sexta-feira, Fevereiro 07, 2003
SLOGANS DO CORAÇÃO 

Inventaram o amor customizado
já vejo a campanha no ar
milhões de brasileiros querendo
e nenhum troco para dar

com embalagem brilhante
e manual em inglês
como ninguém pensou nisso antes?
limitaram a dois por freguês!

o amor customizado
que ninguém tinha igual
hoje está com o bracinho quebrado
fátuo, brilhou apenas na manhã de Natal

Power Point

Cada um tem sua faca
E fura o mesmo corpo ao mesmo tempo
Ninguém é realmente culpado
Na última das reuniões



Quinta-feira, Fevereiro 06, 2003
SLOGANS DO CORAÇÃO

Lembro seus olhos, mas lembro melhor
Nas sinapses adjetivadas da minha cabeça
Você era toda esmeralda e verde opala
Púrpura, bárica e profunda

O formato do anúncio é do tamanho do meu play-ground
Hoje a verba anda curta
Trocaram meu parquinho por um claustro

Uma antiga sabedoria maia
Orienta todo meu trabalho
Ante as maiores dificuldades
No México isso não!

O anúncio revelou-se inadequado ao perfil do cliente.
Meu Deus, o que esse narigudo merece?!

Querem um brinde que surpreenda a todos, inclusive a esposa do dono da empresa que, flagrada em adultério, se atira da janela e cancela a campanha por um anúncio fúnebre e luto de 3 dias.



SESSÃO DA TARDE - diálogos de filmes bagaça

- Vamos nos divorciar.
- Mas vocês pareciam tão felizes.
- Era a vodka.

- Mulheres são como cômodas, tem sempre alguém querendo mexer nas gavetas.



Terça-feira, Fevereiro 04, 2003



SLOGANS DO CORAÇÃO

No limite
Até o final deste dia meu anúncio sai, mas talvez eu saia antes.

Waffen-SS

No quinto dia as tropas descansaram após a queda da cidade
Maltrapilhos, desfilávamos com festa entre os sobreviventes
Nas tascas, uma rude aguardente e o pouco de comida que havia nos era ofertado
Mas tudo mudou quando o anúncio foi reprovado
De súbito, os alemães dominaram o centro da vila e nos fizeram reféns
Aprisionados em um campo onde tudo é regido pelo manual da marca 

Talvez o telefone toque sempre, como o coração, que bate mesmo sem que dele nos demos conta. O telefone está sempre chamando (de novo como o coração) mas, ou não o ouvimos, não estamos lá ou estamos desligados por falta de pagamento.

marmitexto - arquivos

Sexta-feira, Janeiro 31, 2003
Os rostos de estranhos não encerram nenhum segredo porque a imaginação não coloca segredos ali. Mas o rosto de uma criatura amada é uma incógnita precisamente pelo fato de o dotarmos de tanta coisa que é nossa. É um mistério que contém, como todos os mistérios, uma possibilidade de tormento.

James Baldwin 



Terça-feira, Janeiro 28, 2003
NADA
Antes de mais nada, mais nada. Me desespero em não fazer nada. Nada é o que me espera no Brasil, nada é o que faço aqui em Portugal. Há muito de nada neste descobrimento ao contrário. Nada não deveria me incomodar, já que tanta gente parece atribulada em não fazer nada, fazendo até alguma coisa mas que nada vale, esses sim têm a sorte de ninguém lhes dizer. Nada talvez seja o substrato de tudo que fazemos, mas penso que, ao se criar um filho, o ciclo do nada é rompido. Agora o seu nada cresce, e já não parece tão insignificante. Depois que vá ele fazer o seu próprio nada. Mas ainda não fiz este grande nada, me atenho aos pequenos nadas deste mundinho em que nada me interessa. Vou comprar uma passagem para outro nada, amanhã, ver o que nada me oferece. Qual será o serviço de bordo do nada, nada airlines? Nada de pior pode me acontecer, ou talvez até ocorra, mas daí já é diferente. Valha-me Deus que nada de mal aconteça. Mas onde já se viu acontecer algo de bom, assim, do nada? Para isso, é preciso fazer algo. Algo é o oposto do nada. Algo precisa ocorrer. É possível provocar algo, fazendo nada? Claro que não, mas para se provocar algo, sem erros, é necessário saber o quanto se está envolvido em nada. A consciência do nada é tudo, pois. Quanto é possível escrever sobre o nada? Acredito que muito, o problema é interessar alguém pelo seu nada. Cada um está preocupado mais é com seu próprio nada, uns nadas sobre o que comer, uns nadas sobre o que vestir... Melhor é quando não vestimos nada, melhor é quando não comemos nada. Melhor seria, então, nada ocorrer? Assusta-me este nada em que vivo. Os montes de caracteres ao redor do nada que consigo agrupar, enquanto o tempo passa sem que nada aconteça. Ninguém parece se importar de tanto nada existir. Devo ignorar a presença do nada? O nada é cultural, ocidental, oriental. Filmes de nada, música de nada, estradas para nada e conversas que nos levam a nada. Na verdade, todos têm um grande compromisso com o nada, identidades numeradas de nada, esta é a sociedade do nada. Nada de reclamar, nada de se impor, nada de se fartar. Que chato, o nada. Quero mais é que tudo aconteça. Tudo, sei lá, assim, como o contrário do nada. Tudo de bom, tudo de ruim, uma chuva em que tudo nos afogue, faça tudo mudar de lugar, que tudo fique molhado e depois seco, e depois, molhado de suor, numa fuga do nada que aí vem. Corra! O nada jamais será plural, embora sejam vários nadas a coexistirem, em camadas, cada um com o seu. Nada não pertence a nada, na lógica matemática cartesiana do nada. Aqui, nada de conversa, nada de bom-dia, nada de saúde quando se espirra. Cara, aqui não acontece nada! Nada de trabalho, então tento trabalhar com o nada. Já que vão me pagar nada, é justamente isso que me dão. Mas disso eu já tenho bastante, trouxe comigo num excesso de bagagem de peso ignorado, já nos últimos meses vivi em cima de nada, ganhando nada, sonhando com nada, beijando toda noite nada a noite toda, amando nada, nada mesmo. Quanto tempo mais para mim será servido o nada? Quantas receitas utilizam nada, como o pastel, o sufleé, tudo com recheios de nada? Nada não é nutritivo, mas veja, nada não engorda. Lembra do Tim Maia? Este sim é que era sábio: "tudo é tudo e nada é nada". Qual é a sintaxe do nada, a semântica do nada, seu propósito, seu início, seu fim? Uma coisa não há, a concordância do nada. Haveremos de ser muitos, os que o contestam. E nada em outras línguas, será diferente? Duvido, todos entendem o nada, existe um esperanto do nada. Quando nada dizem: esta é a linguagem do nada. Branco é nada, paz é nada. Há quem anseie, há quem o pregue. Imagine, nada é o mesmo nada, imutável, nada não é plural, nada muda o nada. O universo é composto 99% de nada, a matéria  egra do espaço é nada, é isso mesmo, espaço e mais nada. Ao menos plantas crescem do nada, chamam-nas mato. Há no mato um quê de imprevisto - olhe lá, nasceu um mato! Evoluiu, já não é mais nada. Antes ser mato do que ser planta plantada, a servir à sociedade do nada, sendo base de alimentos para nada, à mesa acompanhando nada, o nada do dia, a especialidade da casa, já que vamos todos mesmo morrer por nada?

Lisboa, maio de 2002


Segunda-feira, Janeiro 27, 2003
CHÁ-CHÁ-CHÁXI
Hoje nós pegamos um táxi, para voltar da Couromoda, com um senhor, um alemãozão, cabelo branquinho, liso e puxado no gumex, seu Alberto, ao volante de seu Santanão. Na hora em que fui preencher o boleto do pagamento, logo no início da viagem, ele me passou uma pranchetinha de acrílico trasparente, do tanho certinho do formulário. Elogiei o invento, já alcançando a caneta Bic de um suporte, fixo no painel. E ele foi mostrando, orgulhoso, seus aperfeiçoamentos, o diferencial de mercado: no porta-luvas, primeiros-socorros, colírio Moura Brasil e tudo; ao lado, no painel, e na coluna das portas, dois termômetros, um analógico (!) e outro digital. Se eu procurasse, encontraria muito mais. Então seu Alberto contou que estava escrevendo um livro de dança de salão, um método, e mostrou alinhados no espaço entre os bancos da frente, os livros que estava lendo como fonte: uma biografia de Nitzche e um livro velho, em inglês, sobre dança, todo riscado, as linhas tremidas de escrever sobre as pernas, com aquele esquemas dos pezinhos e tudo. Mostrou uma citação do filósofo alemão sobre a dança, algo sobre quem não dança ser menos humano, num recorte plastificado. E distribuiu no táxi, somente para as moças, agora me lembro, citações ainda sobre dança, uma da Veja, outra de sei lá onde, todas recortadinhas. E contou sobre as gafieiras que frequenta, onde pega as tiazonas, destacando como a melhor o Clube Piratininga, sacando rápido do bolso de trás uma dúzia de flyers, onde pude ler, como atração de um dos dias, Orquestra Tupy do Rio de Janeiro. O melhor foi quando ele resolveu me ensinar chá-chá-chá no táxi, no meio do trânsito. Sei lá de onde, sacou uma pastinha vermelha e uma folha A4, a qual apoiou e começou a traçar pautas na folha, no meio do trânsito. Traçou umas quatro linhas e me passou, pasta e folha com a caneta Bic, para que eu anotasse a partir dali, como o aluno. E eu tinha de observar seus dois dedos no painel, fazendo as pernas direita e esquerda, para seguir os movimentos: um, dois, chá-chá-chá, três, quatro, chá-chá-chá, um, dois. Ele me mostrando os dedos, vendo se eu prestava atenção, e o carro seguindo pelo centro de São Paulo, o pessoal lá atrás um pouco apavorado em eu dar tanta atenção ao homem e ele a mim e nenhuma ao tráfego. O polacão perguntou se eu endendera tudo, já que chegava ao destino, mas senti decepcioná-lo já no olhar, só tentando imaginar aquela carreirinha rápida de um, dois e chá-chá-chá tendo um par agarrado no pescoço, servindo de contra-dança - o que aprendi também. Todos os movimentos que eu fizesse, meu par faria o contrário. Irônico. Descemos, boa sorte e bom trabalho de lá e de cá, e já se foi seu Alberto, o carro quase sem suspensão, flutuando ao som da Orquestra Tupy imaginária, subindo a Rua Augusta da vida real.

São Paulo, janeiro de 2003